São Paulo
afirma ser imperfeito nosso conhecimento nas atuais circunstâncias, mas "quando
vier o que é perfeito, o que é imperfeito será abolido" (1 Cor 13, 10). E
torna ainda mais clara essa idéia utilizando-se desta comparação: "Quando
eu era criança, falava como criança, sentia como criança, discorria como
criança. Mas, quando me tornei homem, dei de mão às coisas que eram de criança.
Nós agora vemos como que por um espelho, obscuramente, mas então veremos face a
face" (1 Cor 13, 11-12).
Tão rico
foi o universo teológico recebido por São Paulo diretamente do próprio Cristo
Jesus que, às vezes, teses de preciosa substância ficam involucradas em meio de
outros temas, ao longo de suas epístolas. Esta, em concreto, é uma delas. De
fato, nosso conhecimento é imperfeito, pois, quer seja no campo natural da pura
inteligência, ou no sobrenatural, mediante a virtude da fé, e inclusive no da
profecia, tem uma nota comum: a elaboração subseqüente realizada com base nos
conceitos criados e com o esforço da abstração.
Pelo
contrário, ao vermos Deus face a face, a fé redundará em visão e, portanto, se
evanescerá com todo o conhecimento abstrativo.
"Agora
vemos como que por um espelho..." ou seja, por meio de um instrumento;
conhecemos a Deus só "porque as coisas invisíveis dEle, depois da criação
do mundo, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis" (Rm
1, 20). E é a partir desse contato direto com as criaturas que elaboramos
outros motivos e princípios através da própria fé, utilizando conceitos
criados. Por isso é obscuro nosso conhecimento e, portanto, imperfeito. Porém,
quando chegar o fim, teremos um conhecimento imediato, claro e total de Deus,
se bem que não possamos conhecê-Lo totalmente.
Talvez
entendamos ainda melhor essa questão se seguirmos o pensamento de São Tomás de
Aquino.2 Segundo o Doutor Angélico, o desejo de felicidade do ser inteligente
leva-o a buscar sua própria perfeição, exercitando suas mais elevadas
faculdades. Isto se verifica até quanto aos próprios sentidos, e por isso
podemos constatar que o olho se regozija ao ver, e o paladar, ao saborear. E em
conseqüência constitui um tormento a inatividade forçada dos mesmos.
Ora, a
felicidade do ser inteligente também se verifica no exercício de suas
faculdades e tornar-se-á ele tanto mais feliz quanto mais nobres sejam essas
faculdades e mais formoso e elevado o objeto sobre o qual se exerçam. Não há
dúvida de que, naturalmente falando, nada há de mais excelente no homem do que
sua inteligência e nada pode superar a suprema verdade que é o próprio Deus. É,
portanto, na inesgotável e sempre renovada visão beatífica que o homem encontra
a plenitude da felicidade, extensiva a todas as suas apetências legítimas,
como, por exemplo, o desejo de governar: "e reinarão com Ele ..." (Ap
20, 6); ou a necessidade dos bens: "Todos os bens me vieram juntamente com
ela, e inumeráveis obras pelas suas mãos" (Sb 7, 11). "O que é
presentemente para nós uma tribulação momentânea e ligeira, prepara-nos um peso
eterno de glória para além de toda a medida" (2 Cor 4, 17).
O mesmo se
pode dizer quanto à vontade, pois no Céu claramente veremos a Deus face a face
como o compêndio de todo bem, tal qual nos ensina São Tomás: "A razão
comum da bem-aventurança é o bem comum perfeito. Assim o significou [Boécio]
quando disse que é ‘o estado perfeito da reunião de todos os bens', não
significando outra coisa por isso, senão que o bem-aventurado está no estado do
bem perfeito".3 E em seguida torna ainda mais claro o conceito: "A
bem-aventurança perfeita [...] possui a reunião de todos os bens, devido à
união com a fonte universal de todo bem. Assim, não necessita de cada um dos
bens particulares".4
Dessa
visão de Deus face a face e desse amor recíproco entre mim e Ele, redundará um
eterno e indescritível gozo, pois quando tomo posse de um objeto sempre muito
desejado por mim, torno-me feliz. Enquanto ele não me pertence, eu me consumo
por obtê-lo. Ao recebê-lo por minha propriedade definitivamente, nele repouso e
dele desfruto. Nisso consiste a felicidade. Quanto melhor for o objeto e maior
sua duração, proporcionalmente mais intenso será o meu gozo daí resultante.
O ser
humano, na essência de seu espírito, especificamente é inteligência e amor. No
Céu, o desejo de conhecer se satisfaz de forma plena na visão da Verdade,
Bondade e Beleza, ou seja, do próprio Deus. E a ânsia de amar e ser amado se
aplaca inteiramente, pois não só amaremos a Deus, mas seremos cientes e
experientes de todo o amor que Ele nos tem. E, ademais, eternamente vendo
aspectos novos do Ser Absoluto e Infinito, acrescidos pelo insuperável convívio
de Jesus em Sua santíssima humanidade, da Virgem Maria, nossa Mãe, dos anjos e
dos santos.
Esse é o
Céu, "o fim último e a realização de todas as aspirações mais profundas do
homem, o estado de felicidade suprema e definitiva".6
Por
Monsenhor João S. Clá Dias, EP.
_____________
1) AQUINO,
Tomás de. Suma Teológica, I, q. 25, a. 6, ad. 4.
2) Idem,
Suma contra os Gentios, l. 1, c. 100.
3) Idem,
Suma Teológica, I-II, q. 3, a. 2, ad. 2.
4) Idem,
ibidem, I-II, q. 3, a. 3, ad. 2.
5) Idem,
ibidem, I q. 44, a. 4 ad. 3.
6) CIC, §
1024.
Nenhum comentário:
Postar um comentário